Pacheco não é o primeiro - e nem será o último -
a desejar uma escola que fuja do modelo tradicional. Ao contrário de muitos, no
entanto, o educador português pode se orgulhar por ter transformado seu sonho
em realidade. Há 28 anos ele coordena a Escola da Ponte. Apesar de fazer parte
da rede pública portuguesa, a escola de ensino básico, localizada a 30
quilômetros da cidade do Porto, em nada se parece com as demais.
A Ponte não segue um sistema baseado
em seriação ou ciclos e seus professores não são responsáveis por uma
disciplina ou por uma turma específicas. As crianças e os adolescentes que lá
estudam - muitos deles violentos, transferidos de outras instituições - definem
quais são suas áreas de interesse e desenvolvem projetos de pesquisa, tanto em
grupo como individuais.
A cada ano, as crianças e os jovens criam as regras de convivência que serão
seguidas inclusive por educadores e familiares. É fácil prever que problemas de
adaptação acontecem. Há professores que vão embora e alunos que estranham tanta
liberdade. Nada, no entanto, que faça a equipe desanimar.
O sistema tem se mostrado viável por pelo menos dois motivos: primeiro, porque
os educadores estão abertos a mudanças; segundo, porque as famílias dos alunos apoiam e defendem a escola idealizada por Pacheco.
Quando jovem, esse educador de fala mansa não pensava em lecionar. Queria ser
engenheiro eletrônico. Mas uma questão o inquietava: por que a escola ainda
reproduzia um modelo criado há 200 anos? Na busca por uma resposta, se
apaixonou pelo magistério. "Percebi que na engenharia teria menos a
descobrir, enquanto na educação ainda estava tudo por fazer." Desse
"tudo" de que tem se incumbido o professor Zé, como gosta de ser
chamado, é que trata a entrevista a seguir, concedida à NOVA ESCOLA em São
Paulo.
A Escola da Ponte é bem diferente das tradicionais. Como ela
funciona?
JOSÉ PACHECO Lá não há
séries, ciclos, turmas, anos, manuais, testes e aulas. Os alunos se agrupam de
acordo com os interesses comuns para desenvolver projetos de pesquisa. Há
também os estudos individuais, depois compartilhados com os colegas. Os
estudantes podem recorrer a qualquer professor para solicitar suas respostas.
Se eles não conseguem responder, os encaminham a um especialista.
Existem salas de aula?
PACHECO Não há salas
de aula, e sim lugares onde cada aluno procura pessoas, ferramentas e soluções,
testa seus conhecimentos e convive com os outros. São os espaços educativos.
Hoje, eles estão designados por área. Na humanística, por exemplo, estuda-se
História e Geografia; no pavilhão das ciências fica o material sobre
Matemática; e o central abriga a Educação Artística e a Tecnológica.
A arquitetura mudou para acompanhar o sistema de ensino?
PACHECO Não. Aliás,
isso é um problema. Nosso sonho é um prédio com outro conceito de espaço. Temos
uma maquete feita por 12 arquitetos, ex-alunos que conhecem bem a proposta da
escola. Esse projeto inclui uma área que chamo de centro da descoberta, onde
compartilharemos o que sabemos. Há também pequenos nichos hexagonais,
destinados aos pequenos grupos e às tarefas individuais. Estão previstas ainda
amplas avenidas e alguns cursos d'água, onde se possa mergulhar os pés para
conversar, além de um lugar para cochilar. As novas tecnologias da informação
devem estar espalhadas por todos os lados para ser democraticamente utilizadas
pela comunidade, o que já conseguimos.
Os professores precisam de formação específica para lecionar lá?
PACHECO Não. Eles
têm a mesma formação que os de outras instituições. O diferencial é que sentem
uma inquietação quanto à educação e admitem existir outras lógicas. Nossa
escola é a única no país que pode escolher o corpo docente. Os candidatos
aparecem geralmente como visitantes e perguntam o que é preciso para dar aulas
lá. Digo apenas para deixarem o nome. No fim de cada ano fazemos contato. Hoje
somos 27, cada um com suas especializações.
Como os novos professores se adaptam à proposta da escola?
PACHECO Há profissionais
que estiveram sozinhos em sala durante anos e quando chegam constatam que sua
formação e experiência servem para nada. De cada dez que entram, um não
agüenta. Outros desertam e regressam depois. Mas nós também, por vezes, temos
que nos adaptar. Há dois anos recebemos muitas crianças e professores novos,
não familiarizados com a nossa proposta. Apenas a quinta parte do corpo docente
já estava lá quando isso aconteceu. Passamos a conviver com mestres que sabiam
dar aula e estudantes que sabiam fazer cópias. Foi necessário dar dois ou três
passos para trás para que depois caminhássemos todos juntos. Precisamos aceitar
o que os outros trazem e esperar que eles acreditem em nossas idéias. Essa é a
terceira vez que passamos por isso.
Qual o perfil dos alunos atendidos pela Escola da Ponte?
PACHECO Eles têm
entre 5 e 17 anos. Cerca de 50 (um quarto do total) chegaram extremamente
violentos, com diagnósticos psiquiátricos e psicológicos. As instituições de
inserção social que acolhem crianças e jovens órfãos os encaminham para as
escolas públicas. Normalmente eles acabam isolados no fundo da classe e,
posteriormente, são encaminhados para nós. No primeiro dia, chegam dando
pontapés, gritando, insultando, atirando pedras. Algum tempo depois desistem de
ser maus, como dizem, e admitem uma das duas hipóteses: ser bom ou ser bom.
Fonte:http://revistaescola.abril.com.br/formacao/formacao-inicial/jose-pacheco-escola-ponte-479055.shtml